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Mostrando postagens de 2010

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"Se lembrar de celebrar muito mais", cantava Fernando Anitelli na televisão. Sentado do outro lado do sofá estava meu pai, tentando sobreviver a meus eufóricos comentários a respeito de cada pedacinho do show, enquanto minha mãe se desdobrava para estar nas conversas da cozinha e ver as piruetas da Gabbi, ao mesmo tempo. Nossa família pequena estava celebrando mais um natal. Como sempre, ao ver a chamada do especial do Roberto Carlos na TV, minha avó comentou "Amanhã ninguém me chama quando ele estiver cantando". Quantos natais minha avó passou e passará esperando por aquele especial, que muitos insistem em dizer que é o mesmo, a cada ano? Não sei. Mas sei que ela vê, como sempre . Deve ter visto no ano em que ela reformou a casa, no ano em que minha mãe se casou, ou em 2008, quando eu me formava e preparava para mudar de cidade. A cada natal, muitos sorrisos e lágrimas depois do anterior, muitas idas, vindas, cortes de cabelo, quilos a mais, a menos, sonhos perdido

31/10/2010

Eu acordei cansada. No espelho, um rosto com olheiras me encarava sem sorrir. Eu bem sabia que a mistura de álcool, dançar muito, comer pouco e dormir mal não poderia dar em boa coisa. Ao caminhar até a cozinha percebi que minhas pernas latejavam e meu reflexo não estava bom. Tremia ao pegar o copo d'água. "Tudo bem", eu pensava, "a festa estava boa e hoje é dia de almoçar comida de mãe". Eu só queria saber, então, porque o rosto com olheiras não conseguia sorrir, se o cansaço era apenas cansaço, se o que eu sentia era somente o resultado de quem está aproveitando seus dezenove anos de vitalidade e pura energia. "Uma boa noite de sono em sua cama fofa e, pronto, você já estará bem outra vez". Por que, dentro de mim, algo se recusava a acreditar? O telefone interrompeu meus pensamentos, a carona havia chegado. Viagem tranquila, apenas alguns imprevistos. Família esperando, tudo dentro do que eu imaginava que seria. Esbocei um sorriso. Por que, meu Deus,

No mesmo barco

"Isso também passa", disse a Razão, enxugando os pés pela água que teimava em entrar no barco, passando pelos buracos que Emoção havia feito em uma de suas molecagens. "Um dia ela ainda afunda isso aqui", suspirou. "Está vendo essas águas que aí passam?", prosseguia ela, "É assim como tudo em sua vida. Qualquer coisa, seja boa ou ruim, uma hora está aqui, outra hora está lá, ainda que nossa memória se encarregue de mostrar aonde estava antes e nossa saudade possa querer resgatar". Equilibrando-se na borda do barco, Emoção nem parece ouvir o que Razão me diz. "Ligue. Insista todos os dias até ouvir um 'sim'. Volte no tempo e o traga de volta. Consulte cartas, búzios, horóscopo semanal. Quebre todos os dedos de sua mão o esmurrando até que ele aprenda que não pode agir assim. Reze para todos os santos, faça penitência. Ou faça qualquer coisa, mas não deixe para que o tal de Tempo resolva tudo". "Já passou antes", insiste

De repente

Geralmente, o vento da inspiração bate, colho meus pensamentos maduros e escrevo. Hoje não. Hoje não bateu vento algum e talvez “maduros” seja a palavra menos correta para definir meus pensamentos agora. Por que, então, me atrevo a antecipar o tempo da colheita? Por que ouso me debulhar nessas linhas? Porque de repente descobri que esses tais pensamentos, ainda verdes, precisam ser colhidos já, com uma estranha certeza no fundo de que eles nunca amadurecerão. Escrever agora foi a porta de saída que encontrei quando, no escuro, comecei a tatear as paredes; o buraquinho improvisado que fiz para poder deixar minh’alma respirar. Eu queria ter mais certezas, mas elas, escorregadias, parecem escapar por entre os dedos todas as vezes em que tento pegá-las. De repente eu queria ter um chão firme sob os pés, como um artista de circo que cansou de andar no arame. De repente não há remos suficientes para tocar o barco, nem sei ao certo como deixar o edifício de pé. De repente o que eu escrevo par

Por cima do arame

"(...)Você não sabe, mas acontece assim quando você sai de uma cidadezinha que já deixou de ser sua e vai morar noutra cidade, que ainda não começou a ser sua. Você sempre fica meio tonto quando pensa que não quer ficar, e que também não quer - ou não pode - voltar. Você fica igualzinho a um daqueles caras de circo que andam no arame e de repente o arame plac! ó, arrebenta, daí você fica lá, suspenso no ar, o vazio em baixo dos pés. Sem nenhum lugar no mundo, dá para entender? (...)” Trecho do conto Uma praiazinha de areia bem clara , ali, na beira da sanga ; in: Os dragões não conhecem o paraíso, 1988, Caio F. Arrumar malas, desarrumar gavetas. Dizer "tchau", pegar o ônibus e partir - simples método utilizado todo fim de semestre ou início de feriado que sabemos de cor. Assim como sabemos de cor o número daquele disk-pizza de emergência, ou os horários dos ônibus que ligam uma cidade à outra. A gente tem que se acostumar, não é? Aprendemos a cozinhar (lembrando a cada

Caio de amores

Eu poderia postar apenas textos de Caio Fernando Abreu que estaria contando todas as minhas dúvidas e certezas diárias, todos os pensamentos "pensei-que-isso-só-acontecia-comigo" e verdades que julgo universais. Porque Caio fala da minha vida. E da sua. Uso os verbos no presente porque sua morte não calou a sua voz. A voz de sua alma que, ora tempestuosa, ora delicada, era colocada em suas palavras. Caio mexe no que há de mais profundo, e isso o torna exato. Sim, indecentemente exato. Chega a doer. A doer e a nos consolar, até quando nos julgamos inconsoláveis. Pois bem, não me atrevo a colocá-lo no passado. O tempo é uma limitação humana e Caio Fernando Abreu vai além das nossas limitações. Sua obra é livre para voar além dos tempos e voltar, ao mesmo tempo em que, paradoxalmente, está enraizada, sólida, no momento em que é lida. Peço licença por falar de alguém que não precisa ser dito. Precisa ser lido. Talvez não tenha mesmo esse direito. Não obstante, ele também nã

Desordem natural das coisas

Como um edífício mal construído, você coloca cimento nas rachaduras da alma, e esconde por trás de cada sorriso, quão frágeis estão seus alicerces. Dentro de seu barco, sem porto nem horizonte, você rema, e se recusa a largar os remos, como se se assim o fizesse, o oceano te devorasse, e fosse tarde demais. Tarde demais? E o que seria esse "tarde demais"? Seria encarar o feio da situação, para dar à cansada Senhora Esperança o golpe final? Por vezes, é preciso justamente que ela agonize e morra, para que seu último suspiro signifique o nascimento de uma nova e vívida "meninazinha de olhos verdes", que trará todo sentido de volta, que talvez fará apontar um horizonte para o qual remar. É preciso que o edifício venha ao chão para reconstrui-lo mais forte em novos alicerces. Mas onde está a força? Você leu uma vez que, longe de covardia, desistir também é um gesto de coragem. E isso lhe falta. Frágil, você sabe que não conseguirá cravar no peito da velha senhora o punh

O primeiro post

Eu sempre quis ter um blog do qual o primeiro post se chamasse... "O primeiro post ". A verdade é que eu sempre quis ter um blog, com seu primeiro, segundo, terceiro posts . E eu sempre adiei a criação de um, por medo - sim, medo - de falar demais, ou de menos. Mais ainda, medo de começos. É assim, na minha cabeça as ideias se encontram, se despedem e alçam vôo . Vão longe e voltam. Não tem perigo, elas estão em segurança na minha mente-escudo. Mas qual a graça de viver protegida a vida toda? É como não andar de bicicleta por medo do tombo, não nadar com medo de se afogar. A vida pede prudência, sim, mas mais ainda, ela pede coragem . Pode ser difícil, mas o pior é no começo. A gente se desequilibra até ganhar movimento pedalando, engole água até poder se atirar no mar. Enfim, a questão é que ontem encontrei o gás inicial que precisava para arrancar minha proteção e me arriscar nesse blog. Li uma frase de William Shedd que dizia: " Um barco está seguro no porto. Mas