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Mostrando postagens de janeiro, 2012

Breve estória de uma menina qualquer

Já havia semanas que aquilo acontecia. A imensa casa não deixava à vizinhança paz. O silêncio que ela emanava era ensurdecedor; de tão intenso grau, que parecia alcançar o mundo todo. Todos que por lá passavam se sentiam profundamente incomodados. 'Que o silêncio não era um silêncio continuado, n'onde a vida está em gestação e milhares de coisas estão brotando a cada minuto sem serem vistas; era um mutismo abruptamente interrompido e interrompedor, como se todas as coisas tivessem cessado de brotar de repente. E ninguém poderia suportar o desértico ar que era obrigado a respirar desde que tudo começou, enchendo os pulmões de nada (será que começara com um início, desses que delimitam o estado de agora com o de antes? ou tudo se passara dia-a-dia, um quanto a cada manhã, sem que ninguém desse por conta, e somente quando ficara grande - a ouvidos menos sensíveis - fora alarmado?). Dentro de seu quarto, sozinha no casarão e alheia aos gritos sem voz que vinham lá de baixo, e ao

Aquilo que fica [2]

Nascer de novo Carlos Drummond de Andrade Nascer: findou o sono das entranhas. Surge o concreto, a dor de formas repartidas. Tão doce era viver sem alma, no regaço do cofre maternal, sombrio e cálido. Agora, na revelação frontal do dia, a consciência do limite, o nervo exposto dos problemas. Sondamos, inquirimos sem resposta: Nada se ajusta, deste lado, à placidez do outro? É tudo guerra, dúvida no exílio? O incerto e suas lajes criptográficas? Viver é torturar-se, consumir-se à míngua de qualquer razão de vida? Eis que um segundo nascimento, não advinhado, sem anúncio, resgata o sofrimento do primeiro, e o tempo se redoura. Amor, este o seu nome. Amor, a descoberta de sentido no absurdo de existir . O real veste nova realidade, a linguagem encontra seu motivo até mesmo nos lances de silêncio . A explicação rompe das nuvens, das águas, das mais vagas circunstâncias: Não sou Eu, sou o Outro que em mim procurava seu destino. Em outro alguém estou nascendo . A minha festa, o meu nascer po

Aquilo que fica

Tão vivo está em minha memória o choro transbordante de alívio de minha mãe, na manhã do dia 11 de junho do ano passado, quando recebera a notícia de que minha avó havia produzido uma significativa quantidade de urina, o que simbolizava que seus rins estavam funcionando - um indicativo vital naquele momento. A onda de esperança que nos invadira naquele momento, de tão intensa, provavelmente fora notada até aos olhos mais desatentos daqueles que passavam pela rua. Eu sentia meu coração se alargar e, mais e mais, agradecia, pedia, e acreditava que minha avó escaparia de mais uma intempérie imposta pela vida. Vida, sim; não morte. Simplesmente porque esta última palavra não era cogitada, não faria o menor sentido minha avó não escapar. Nesse mesmo dia, li, do Fabrício Carpinejar, uma frase que dizia que "o alívio é o irmão triste da felicidade". E o pobre nem durou muito. Durante aqueles três dias (confesso que conferi no calendário - a mim pareceram séculos, milênios, eter