Geralmente, o vento da inspiração bate, colho meus pensamentos maduros e escrevo. Hoje não. Hoje não bateu vento algum e talvez “maduros” seja a palavra menos correta para definir meus pensamentos agora. Por que, então, me atrevo a antecipar o tempo da colheita? Por que ouso me debulhar nessas linhas? Porque de repente descobri que esses tais pensamentos, ainda verdes, precisam ser colhidos já, com uma estranha certeza no fundo de que eles nunca amadurecerão. Escrever agora foi a porta de saída que encontrei quando, no escuro, comecei a tatear as paredes; o buraquinho improvisado que fiz para poder deixar minh’alma respirar. Eu queria ter mais certezas, mas elas, escorregadias, parecem escapar por entre os dedos todas as vezes em que tento pegá-las. De repente eu queria ter um chão firme sob os pés, como um artista de circo que cansou de andar no arame. De repente não há remos suficientes para tocar o barco, nem sei ao certo como deixar o edifício de pé. De repente o que eu escrevo parece não sair de mim. Mas, não de repente, há algo que descobri em meio a sentimentos tão esparsos e confusos: a necessidade que tenho de esbarrar minha alma 'n’outra. Chamem de carência o que eu chamo de incapacidade de ser sozinha. As pessoas que estão perto de mim – com todas as maneiras de que se pode estar perto – alimentam o meu viver. Uma ligação antes de dormir, um abraço sincero logo pela manhã, um jeito com que alguém sorri com os olhos, enchendo de cores o dia cinza; um diálogo sem palavras, o encostar o ombro em alguém que nada diz, mas que deixa seu coração à mostra, e que em cada batida parece dizer “Eu estou vivo, e estou perto de você” - qualquer vestígio de amor me deixa extremamente mais confiante, e grata. A capacidade que o nosso coração tem de, elástico, habitar tantos outros corações, e amar, todo dia e tanto e sempre, me faz aceitar o oceano à minha frente, as rachaduras provenientes da péssima engenharia de mim. De repente, percebo que talvez seja o amor a flor que sempre colherei, sem medo de estar sendo precipitada ou vagarosa demais, porque ele me faz aceitar a confusão, o medo, a ansiedade. Ele é o que há de fixo em meio a tudo que se mexe dentro de mim agora, o ponto certo na incerteza. Não há um tempo de colheita para o amor, descobri. E talvez seja por isso que escrevo e transcrevo esses pensamentos estranhos, que de verdes não estavam prontos para serem colhidos, mas foram, e que fazem esse texto acabar assim: de repente.
São 18h40 no centro da capital. Luzes, buzinas, e o irritante, insuportável anda-e-para da minha condução. Pior ainda para o motorista, eu penso. Aquele cansaço, a vontade de chegar, a esperança de engatar e para. De novo. O homem, muito esperto, criou máquinas que fazem andar, mas agora não chega mais a lugar algum. Vida irônica, eu penso. E paro. De novo. Do meu lado, uma mulher me acotovela sem querer, mexendo na bolsa. Eu odeio a mulher. Eu queria que aquela mulher não existisse. Eu queria que ninguém existisse, que as pessoas de repente sumissem, todas à minha frente, de todos os carros, os que estão a pé também, para que eu pudesse fluir. Meu Deus! Eu não estou fluindo. Minha vida parece a condução em que me encontro: anda-e-para. Aquele cansaço, a vontade de chegar, a esperança de engatar... e para. De novo. (...) Nada rima com angústia, penso de repente. An-gús-ti-a. Não pode ser à toa que nada rima com ela. Angústia é dor cega e sem par, à procura de ancoragem na palavra.
O amor é o que temos de fixo em meio à tudo que se mexe dentro de nós. Isso, possivelmente, é universal. Difícil descrever o quão boa foi essa definição (?) ou característica (??) desse sentimento.
ResponderExcluirSe você diz que esse foi o seu pior post, recolher-me-ei à minha insignificância.
Mar...
ResponderExcluirvocê sempre me faz tão bem...
fico feliz só de ler teus textos..
e o Pequeno Principe...agora te entendo (nunca tinha lido né...)
agora te entendo...
beijo...otima semana!! quero te ver =/