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Mostrando postagens de 2012

Adeus a Eros

Às vezes eu queria que nada tivesse acontecido. Que este instante fosse uma folha em branco em que pudesse escrever qualquer outra coisa que não esta história. Mas ele é todo feito de linhas – tortas ou não, riscos toscos, barulheira estética de traços sobrepostos, quase não dá para ler. Marcas. Muitas. Profundas. Eu ouvi demais, vi demais, e hoje carrego uma lucidez do que ficou que é ruim – apesar da confusão: paradoxo indigesto. Descobri que se águas passadas não fazem mover os moinhos, podem danificá-los permanentemente. E eu sou como um moinho que perdeu uma de suas hélices e, aos poucos, aprendeu a entrar no ritmo sem ela, mas Deus do céu! como por vezes eu queria a hélice perdida por uma realidade que me inundou. Mas na maior parte do tempo, não, não desejo que esta história não fosse escrita. Até porque não faz sentido desejar que uma coisa não seja o que é, pois caso não a fosse, sabe-se lá o que seria, e não tenho acesso a esse “sabe-se lá”. Eu sou, eu e minha história,

Sem dobras

"Eu quis te conhecer, mas tenho que aceitar: caberá ao nosso amor o eterno ou 'não dá'. Pode ser cruel a eternidade, eu ando em frente por sentir vontade." Janta, Marcelo Camelo Confesso que, quando fiquei sabendo que Marcelo Camelo estava namorando Mallu Magalhães, há uns anos atrás, minha reação foi de completo espanto. Eu achava estranhíssimo um homem de mais de trinta anos e uma garota de dezesseis conseguirem dividir seus mundos; não era somente a diferença de idade que me assustava, mas o fato de Mallu estar na adolescência, uma fase em que parece que tudo está mais maleável e mudando em uma velocidade diferente - e, outra confissão: ainda acho. Eu, com meus vinte e um anos, olhando para trás e vendo o quanto mudei nos últimos cinco, acho difícil me imaginar com aquela idade me interessando por um cara bem mais velho e, ainda mais, ele se interessando por mim. Minha cabecinha limitada, com suas concepções de mundo, que endireita a realidade em gavetas se
"E bati, e bati outra vez, e tornei a bater, e continuei batendo sem me importar que as pessoas na rua parassem para olhar, eu quis chamá-lo, mas tinha esquecido seu nome, se é que alguma vez o soube, se é que ele o teve um dia, talvez eu tivesse febre, tudo ficara muito confuso, idéias misturadas, tremores, água de chuva e lama e conhaque batendo e continuava chovendo sem parar, mas eu não ia mais indo por dentro da chuva, pelo meio da cidade, eu só estava parado naquela porta fazia muito tempo, depois do ponto, tão escuro agora que eu não conseguiria nunca mais encontrar o caminho de volta, nem tentar outra coisa, outra ação, outro gesto além de continuar batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, batendo, na mesma porta que não abre nunca." Caio Fernando Abreu em "Além do ponto". http://caio-fernando-abreu.blogspot.com.br/2007/06/alm-do-ponto-caio-fernando-abreu.html Caio, gripe, devaneios, av

Sobre estar só, eu sei.

Poeminha Sentimental O meu amor, o meu amor, Maria É como um fio telegráfico da estrada Aonde vêm pousar as andorinhas… De vez em quando chega uma E canta (Não sei se as andorinhas cantam, mas vá lá!) Canta e vai-se embora Outra, nem isso, Mal chega, vai-se embora. A última que passou Limitou-se a fazer cocô No meu pobre fio de vida! No entanto, Maria, o meu amor é sempre o mesmo: As andorinhas é que mudam. Mario Quintana   De onde estava, olhava para o meu fio telegráfico de vida e, por - finalmente! - não haver nenhuma andorinha pousada, a sensação era de um sossego triste. Sossego, pois dá muito trabalho limpar cocô de andorinha; triste, porque também não posso ouvir nenhum canto assim. A sensação é de estar em uma imensa sala vazia sem decoração ou mobília. Não durmo em suspiro por antecipar uma alegria, nem concentrada em fazer a dor cessar, e parece que precisava de algo assim para saber que meu coração pulsa - mas, nada. Meu travesseiro é só

Breve estória de uma menina qualquer

Já havia semanas que aquilo acontecia. A imensa casa não deixava à vizinhança paz. O silêncio que ela emanava era ensurdecedor; de tão intenso grau, que parecia alcançar o mundo todo. Todos que por lá passavam se sentiam profundamente incomodados. 'Que o silêncio não era um silêncio continuado, n'onde a vida está em gestação e milhares de coisas estão brotando a cada minuto sem serem vistas; era um mutismo abruptamente interrompido e interrompedor, como se todas as coisas tivessem cessado de brotar de repente. E ninguém poderia suportar o desértico ar que era obrigado a respirar desde que tudo começou, enchendo os pulmões de nada (será que começara com um início, desses que delimitam o estado de agora com o de antes? ou tudo se passara dia-a-dia, um quanto a cada manhã, sem que ninguém desse por conta, e somente quando ficara grande - a ouvidos menos sensíveis - fora alarmado?). Dentro de seu quarto, sozinha no casarão e alheia aos gritos sem voz que vinham lá de baixo, e ao

Aquilo que fica [2]

Nascer de novo Carlos Drummond de Andrade Nascer: findou o sono das entranhas. Surge o concreto, a dor de formas repartidas. Tão doce era viver sem alma, no regaço do cofre maternal, sombrio e cálido. Agora, na revelação frontal do dia, a consciência do limite, o nervo exposto dos problemas. Sondamos, inquirimos sem resposta: Nada se ajusta, deste lado, à placidez do outro? É tudo guerra, dúvida no exílio? O incerto e suas lajes criptográficas? Viver é torturar-se, consumir-se à míngua de qualquer razão de vida? Eis que um segundo nascimento, não advinhado, sem anúncio, resgata o sofrimento do primeiro, e o tempo se redoura. Amor, este o seu nome. Amor, a descoberta de sentido no absurdo de existir . O real veste nova realidade, a linguagem encontra seu motivo até mesmo nos lances de silêncio . A explicação rompe das nuvens, das águas, das mais vagas circunstâncias: Não sou Eu, sou o Outro que em mim procurava seu destino. Em outro alguém estou nascendo . A minha festa, o meu nascer po

Aquilo que fica

Tão vivo está em minha memória o choro transbordante de alívio de minha mãe, na manhã do dia 11 de junho do ano passado, quando recebera a notícia de que minha avó havia produzido uma significativa quantidade de urina, o que simbolizava que seus rins estavam funcionando - um indicativo vital naquele momento. A onda de esperança que nos invadira naquele momento, de tão intensa, provavelmente fora notada até aos olhos mais desatentos daqueles que passavam pela rua. Eu sentia meu coração se alargar e, mais e mais, agradecia, pedia, e acreditava que minha avó escaparia de mais uma intempérie imposta pela vida. Vida, sim; não morte. Simplesmente porque esta última palavra não era cogitada, não faria o menor sentido minha avó não escapar. Nesse mesmo dia, li, do Fabrício Carpinejar, uma frase que dizia que "o alívio é o irmão triste da felicidade". E o pobre nem durou muito. Durante aqueles três dias (confesso que conferi no calendário - a mim pareceram séculos, milênios, eter