Como um edífício mal construído, você coloca cimento nas rachaduras da alma, e esconde por trás de cada sorriso, quão frágeis estão seus alicerces. Dentro de seu barco, sem porto nem horizonte, você rema, e se recusa a largar os remos, como se se assim o fizesse, o oceano te devorasse, e fosse tarde demais. Tarde demais? E o que seria esse "tarde demais"? Seria encarar o feio da situação, para dar à cansada Senhora Esperança o golpe final? Por vezes, é preciso justamente que ela agonize e morra, para que seu último suspiro signifique o nascimento de uma nova e vívida "meninazinha de olhos verdes", que trará todo sentido de volta, que talvez fará apontar um horizonte para o qual remar. É preciso que o edifício venha ao chão para reconstrui-lo mais forte em novos alicerces.
Mas onde está a força? Você leu uma vez que, longe de covardia, desistir também é um gesto de coragem. E isso lhe falta. Frágil, você sabe que não conseguirá cravar no peito da velha senhora o punhal que acabará com tudo, com tijolos e remos, e espera que ela morra naturalmente, dormindo. O fim sereno de uma esperança trazendo o parto normal de outra. Não é assim que vida e morte se entrelaçam na ordem natural das coisas? Ah, como é difícil estuprar a ordem natural das coisas! Como é difícil sair de onde você está... Requer um talento, que, como já disse, você não possui.
Assim, meio resignado, meio submisso à sua própria fraqueza, você toca o barco, sabendo que os calos causados de tanto remar ainda farão você chorar, e as rachaduras na parede da alma aparecerão mais fundas e maiores, desobedientes à sua vã tentativa de escondê-las. Mas consola a si mesmo, pensando que se não foi você quem construiu esse edifício, nem escolheu os remos, também não é de sua responsabilidade mandar tudo pelos ares. Não houve escolhas, e, quando deu por si, você já estava lá... ou, se houve, você não se lembra. De repente vem à sua mente O Amor nos Tempos do Cólera, dormindo em algum lugar onde ficam as lembranças, e dizendo: "Deixe que o tempo passe e já veremos o que traz". Pois bem, se foi esse mesmo Tempo - assim, com maiúsculas - quem alimentou e envelheceu sua esperança, e depois deu a ela esse ar de quem está prestes a sucumbir, que venha ele acabar com tudo de vez. Na ordem natural das coisas. Enquanto você só continua, sem porto nem horizonte nem força ou coragem. Barco no meio do oceano, à procura da brisa leve que o deixe remar em paz. Edifício mal contruído, criando, a cada dia, uma nova maneira de permanecer de pé.
"Há esperanças que é loucura ter. Pois eu digo-te que se não fossem essas já eu teria desistido da vida". José Saramago.
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