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Mostrando postagens de 2014

Num único jato

(...não são as pessoas. Não sou eu. É o cheiro de verdade que fica quando a gente se abraça e que continua em mim quando elas partem. Tenho farejado a verdade feito um cachorro louco, e a vida tem feito minhas narinas vibrarem atentas ao menor vestígio dela. Se não encontra, volta amuado ou range os dentes, mas não fica. Estou cada vez mais intolerante a inverdades. Não sou eu. Não são as pessoas. É algo além de nós. É esse algo além de nós que entrelaça nossos fios na costura do invisível. Por que é que o homem resolveu brincar de costurar encontros com fios tão visíveis quanto frágeis, que se desfazem ao menor contato com o mais profundo do outro? Quem foi que disse a ele que ele era capaz de fabricar o infabricável? Ninguém entende que preciso desse cheiro quase como preciso respirar. Ninguém entende que preciso abraçar o invisível. Não há pessoa no mundo que consiga dimensionar a minha necessidade de ser amor antes, durante e depois. Nenhuma criatura que saiba que o que sustenta o

Carta para minha vó (ou pedaços de vida e morte)

Ah, vó! Eu queria colocar minha história em linha reta, num desenrolar bonito e colorido. Mas ela fica num emaranhado do qual só apanho alguns pedaços. Na verdade os pedaços é que me apanham. Divinópolis virou um precipitado de lembranças grossas, que se acumulam em nuvem, carregam o céu. Quando venho aqui, não sei dizer se quem chove sou eu ou a cidade. A Morte, maiúscula, te levou daqui, e ela, que desabou meu edifício com tudo dentro, serviu para tornar visível a morte, minúscula e imperceptível a olhos menos atentos, que exerce seu ofício de cupim e corrói as paredes com paciência. Mas meus olhos sempre foram atentos. Desde antes de a senhora partir, Divinópolis me é nuvem carregada, porque aqui eu quase consigo tocar com a mão as mudanças que o tempo traz. Sempre temi a Morte maiúscula que a morte minúscula anunciava: o cachorro ficando cego, cada vez menos galinhas no quintal, o vizinho que era criança (eu juro que era!) tendo filho, a careca mais vistosa na cabeça do meu pai. N

speechless

23 de Janeiro de 2009. Creio que muitos, se não todos, aqui, se lembram desse dia e tem alguma história para contar sobre o momento em que passamos no vestibular da UFMG. Eu tenho a minha. Estava saindo do consultório de um oftalmologista, com as pupilas dilatadas, e recebo um telefonema de uma amiga me dizendo de uma provável lista. Saí correndo, em um dia de sol castigando meus olhos, à procura de um computador que confirmasse aquela informação. Eu não me dava conta, naquele momento, que o que vivia era uma bela metáfora do que estava por vir: a vida inundando de luz a alma com as pupilas dilatadas. O olho se contrai, se esforça para enxergar, delinear o mundo, mas a luz é maior. Hoje, cinco anos depois, me sinto da mesma forma. Em um esforço por delinear o sentimento que me toma, sinto a luz me arrebatar. Talvez porque a vivência seja muito parecida com a daquele dia: o fim e o começo, unidos, belos, provocantes. Qual a diferença, então, do momento de antes para o de agora? O que m

Era uma coisa sua que ficou em mim (que não tem fim)

- E aí, como vai você? (De todas as vezes que engoli o choro perto de você e meus sentimentos foram regados. Floresceu muita coisa aqui dentro. (...)    Veja bem, eu não te esqueci. Graças a Deus! nunca tive a intenção. Eu queria que você se tornasse meu, tão meu, que eu pudesse superá-lo. Minto. Na verdade isso aconteceu depois, naturalmente. Eu queria mesmo era que você se tornasse meu, tão meu, que eu pudesse ter a mim mesma. Eu achava que seria no seu  “sim ” que eu me encontraria, mas foi no seu  “não ” que isso aconteceu.    Primeiro, eu me perdi. É que era muito difícil conviver com minha dor. Não havia em meu corpo lugar possível para habitá-la, então tentei expulsá-la, matar você e meu sentimento. Mas aí eu entendi que ela precisava ficar. Dei-lhe morada. Por muito tempo, eram eu e minha dor andando por aí. Quem me olhava deveria me achar meio manca.    Mas uma dor nunca é só dor. É amor - e esse é o ponto mais importante. Na verdade não é um ponto, é o inteiro do q

Epifania luminosa

No meio do caminho tinha uma pedra para quando Deus me tirasse a poesia Eu visse pedra mesmo Mas acontece que um dia Alguém juntou sua pedra à minha E tudo se alumiou O mundo nunca mais ficou sem poesia 'Que quando ela acaba em mim Sei que encontro naquele moço Quando teimo em ver só pedra Me lembro daquele que chegou E quase não disse Também não sabia o que fazer com a pedra Mas cantava No meio do caminho tinha um Pedro com uma voz de acender estrelas que não se apagam jamais E eu só preciso olhar o céu P'ra ficar em paz

Coração em Divinópolis

Sento-me à beira de mim e observo o que fui no rio que flui a minha vida Só para frente É que se vai Enquanto uma lágrima cai lembrando a tarde ida Tão pequena és Dentro do rio e da tarde Como em meu rosto arde Com tanto sal e sem saída? O protesto em água doce Leva o fio d'alma que escorre E quando toca o rio morre A despeito da face traída Sou tão menor que o rio Queria ficar mas não posso 'Que nesse destino nosso Todo encontro é despedida