antes de ir embora o sentimento se demora e fica curtido no corpo, fermentando os sentidos. a retina o projeta nas esquinas do mundo. carros como o seu são os mais salientes das ruas, cheiros da vida acordam obscenidades, a imaginação percorre o que antes andei com a carne e o coração. pensamento garimpando lembranças no meio do trânsito, ou tirando o lixo, ou fechando a janela do quarto por onde você gostava de olhar - vai chover e não é pouco. eu quis muito. e o querer abrasa o corpo e o consome, o dia-após-dia do depois é para sua reconstituição. para onde será que você está olhando agora? alguém me chama e fura a bolha do pensamento, respondo o mais educada que posso mas queria responder era nada. não, não é que eu tenha te querido tanto assim o tempo todo, o sentimento não se espalhou de um jeito uniforme - é que eu queria também o que a ideia te ajudava a ser, aquele que colocaria em riste meus anseios, nossos pequenos futuros pareados que foram raleando, raleando antes. m
O que faz de um sorriso um sorriso não é a simetria da dentição ou sua branquetude escovada. É algo além dele próprio. Iluminura que a vida deixa de rastro num rosto. Isto aprendi com a senhora, vó, com seus olhos gargalhantes. É muito mais difícil sorrir sem dentes porque aí não dá pra dissimular muita coisa. A transparência o revela em sua essência. Pois acontece que toda santa vez que atendo uma paciente banguela, vó, a saudade me abraça. Saudade tem braços delicados mas aperta com valentia. Moça feita de passado mas que tem pacto é com o presente. Se a saudade falasse de coisas idas, ao olhar para aquelas senhoras hoje eu não reconheceria o seu sorriso. Nada de significativo, de fato, se tornaria nosso. Triste, não é? Ainda bem que ela existe! Pois a saudade tem me contado algumas coisas. Uma delas é que a senhora fez um grandecíssimo trabalho. Eu não sei o que você colocou no leite dos seus filhos, naquela pobreza desgentil da roça, que nutriu e fez crescer tanto o cora