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Mostrando postagens de janeiro, 2015

A despeito de mim

Há imagens que brotam na nossa cabeça para mostrar que somos o que fomos. Dia desses, sem aviso, me veio a cena em que minha avó matava galinha no quintal. Difícil esquecer o pescoço exposto, inocente, a galinha sem angústia porque era imortal, eu angustiada por mim e por ela. O sangue jorrando, a força bruta de minha avó de quem cumpre o dever de viver. Lembro-me de uma vez em que a galinha, meio morta, saiu correndo. Um horror! A culpa é sua, fia, dizia a vó, num pode ter dó que ela num morre! Morria, a despeito de mim. Pois bem veio na cabeça que, fosse eu a galinha de pescoço inerte esperando a faca imperiosa, sairia de mim não sangue, mas palavras. A cena não me abandona mais: jorrariam todas as palavras que moram aqui na garganta, que não descem, nem sobem, ficam coaguladas. Essas palavras que diriam tudo. Por séculos eu ficaria jorrando. Que alívio poder dizer tudo! Suspiro. Não sou galinha. Sou angústia de ser mortal, que só por ser mortal pode dizer alguma coisa. A perfei

O menino de outro mundo que eu conheci nesse

Certo dia eu conheci um menino. Era alto e bonito demais para passar despercebido.   Vivia em outro mundo, literalmente. Para os céticos, "literalmente" é um erro gramatical na frase anterior, mas ah! ele não é para os céticos. Podem parar por aqui. Quem não crê o acharia e o achará no mínimo estranho. Crer para ver, para vê-lo, como um mundo secreto do qual os descrentes não teriam a chave. Eu tinha a chave? Talvez. Mas entrar em seu mundo não o tornava menos secreto, para o meu desalento. Mas ele era, ele ia sendo, e aquilo me inquietava e me afagava, sem que a inquietação precisasse sair para o afago vir. Ele gostava de ensinar, de convidar a ver a maravilha e magia do mundo, dos mundos. Desafiava-nos, queria que nos tornássemos melhores do que somos. Falava da terra, água, fogo e ar, sem às vezes pronunciar palavra. Ele era, também, contraditório. Ah! A contradição não é privilégio dos que não sabem o que fazer com a vida, e ele sabia, ou achava que sabia, mas a verd