Há imagens que brotam na nossa cabeça para mostrar que somos o que fomos. Dia desses, sem aviso, me veio a cena em que minha avó matava galinha no quintal. Difícil esquecer o pescoço exposto, inocente, a galinha sem angústia porque era imortal, eu angustiada por mim e por ela. O sangue jorrando, a força bruta de minha avó de quem cumpre o dever de viver. Lembro-me de uma vez em que a galinha, meio morta, saiu correndo. Um horror! A culpa é sua, fia, dizia a vó, num pode ter dó que ela num morre! Morria, a despeito de mim. Pois bem veio na cabeça que, fosse eu a galinha de pescoço inerte esperando a faca imperiosa, sairia de mim não sangue, mas palavras. A cena não me abandona mais: jorrariam todas as palavras que moram aqui na garganta, que não descem, nem sobem, ficam coaguladas. Essas palavras que diriam tudo. Por séculos eu ficaria jorrando. Que alívio poder dizer tudo! Suspiro. Não sou galinha. Sou angústia de ser mortal, que só por ser mortal pode dizer alguma coisa. A perfei