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Era uma coisa sua que ficou em mim (que não tem fim)

- E aí, como vai você?

(De todas as vezes que engoli o choro perto de você e meus sentimentos foram regados. Floresceu muita coisa aqui dentro. (...)

   Veja bem, eu não te esqueci. Graças a Deus! nunca tive a intenção. Eu queria que você se tornasse meu, tão meu, que eu pudesse superá-lo. Minto. Na verdade isso aconteceu depois, naturalmente. Eu queria mesmo era que você se tornasse meu, tão meu, que eu pudesse ter a mim mesma. Eu achava que seria no seu “sim” que eu me encontraria, mas foi no seu “não” que isso aconteceu.
   Primeiro, eu me perdi. É que era muito difícil conviver com minha dor. Não havia em meu corpo lugar possível para habitá-la, então tentei expulsá-la, matar você e meu sentimento. Mas aí eu entendi que ela precisava ficar. Dei-lhe morada. Por muito tempo, eram eu e minha dor andando por aí. Quem me olhava deveria me achar meio manca.
   Mas uma dor nunca é só dor. É amor - e esse é o ponto mais importante. Na verdade não é um ponto, é o inteiro do qual a dor faz parte. E eu te amava tanto que todo o meu corpo te amava também. Todas as veias e vísceras e poros se adequaram para caber você. Se a tecnologia avançasse um pouco, talvez te detectassem em meu exame de sangue. Com que pretensão eu achava que poderia abortá-lo assim?
   Tudo começou a mudar com a epifania que me fez confessar: “eu te amo” - não para você, primeiro, mas para o  “você” que vive em mim. É que depois do não (que era só um mas tinha várias faces), achava que seria vergonhoso assumir o meu sim; depois que percebi que você não se tornaria meu, passei a acreditar que só quando eu parasse de desejar isso é que eu teria a mim mesma. Que mania essa de nos procurar onde a gente não está! 
   Então eu me vi. Quando vi você, ou o contrário. Na verdade não tem contrário, nem antes, nem depois - todas as veias e vísceras e poros, todo o meu sim e o seu não, o presente, passado, o futuro, irrompendo juntos no lugar comum em que a vida acontece e que a gente fragmenta para tentar dar conta: eu (que me descobri existindo ainda que o seu olhar não me alcançasse) amo você (você mesmo, esse que não me olhava - não aquele que desesperadamente eu queria que você fosse). Amar alguém é a afirmação máxima de nosso ser e do outro, assim, num único movimento, a despeito de quaisquer resultados. E eu estava me sendo, toda, quando descobri você em mim. 
  Talvez eu estivesse contrariando todas aquelas pessoas (inclusive eu) que me olhavam mancando e aconselhavam: “parte para outra!”. Um conselho que pede para você se partir, aliás, não pode ser boa coisa. Eu troquei esse imperativo por: “fique nessa, inteira”. E eu fiquei. Ninguém sabe por quanto tempo. Dias, meses, milênios. Talvez eu tenha passado uma eternidade. Acontece que eu cresci. Floresci para muitos lados, dei frutos que não imaginava e que ainda hoje me pego colhendo. Gestei uma mudança e ela nasceu. E então percebi que não mancava mais. A dor, que já foi tão grande, descobri! era uma semente. É claro que a distância foi importante para esse processo, mas aceitar sua permanência em mim foi vital.
   Pego esse sentimento nas mãos como quem segura a parte delicada do mundo - com cuidado e esmero para que ele não se quebre no contato com os meus dedos urgentes. Quero te falar disso porque sei que ele está indo embora; não é meu - embora seja a coisa mais minha que eu possa ter - e eu não posso segurá-lo nem prever quanto tempo ainda se demora. Toco nesse assunto não para dizer que finalmente você saiu de mim, mas que você se tornou meu, tão meu, que eu pude superá-lo. Enquanto eu viver e amar a mim e a minha história, haverá um lugar aqui que é seu. E outros lugares de outras pessoas que em mim plantam o que são. É a memória, minha guardiã, que mostra que tudo o que vivemos, se foi nosso, é. E você será sempre, mesmo que não tenha sido jamais. Te encontro no infinito...)

- Eu estou bem, aliás, tenho andado bem melhor. E você, o que conta?




Comentários

  1. "dei frutos que não imaginava e que ainda hoje me pego colhendo. Gestei uma mudança e ela nasceu. E então percebi que não mancava mais."

    Saber viver.

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