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Sem dobras


"Eu quis te conhecer, mas tenho que aceitar: caberá ao nosso amor o eterno ou 'não dá'. Pode ser cruel a eternidade, eu ando em frente por sentir vontade." Janta, Marcelo Camelo

Confesso que, quando fiquei sabendo que Marcelo Camelo estava namorando Mallu Magalhães, há uns anos atrás, minha reação foi de completo espanto. Eu achava estranhíssimo um homem de mais de trinta anos e uma garota de dezesseis conseguirem dividir seus mundos; não era somente a diferença de idade que me assustava, mas o fato de Mallu estar na adolescência, uma fase em que parece que tudo está mais maleável e mudando em uma velocidade diferente - e, outra confissão: ainda acho. Eu, com meus vinte e um anos, olhando para trás e vendo o quanto mudei nos últimos cinco, acho difícil me imaginar com aquela idade me interessando por um cara bem mais velho e, ainda mais, ele se interessando por mim. Minha cabecinha limitada, com suas concepções de mundo, que endireita a realidade em gavetas separadinhas - até para não enlouquecer -, acha incomum e se assusta até hoje com o fato de os dois darem tão certo. E quem disse que o mundo cabe no que eu acho dele?

Foi justamente ouvindo "Janta" que o meu preconceito começou a se dissolver, passando a ser um conceito: sim, é diferente, mas é possível - e é lindo. Os primeiros versos da música já foram um golpe às minhas concepções. A eternidade pode ser cruel, ele anda em frente porque sente vontade! Simples! Tão simples quanto uma brisa que soprava nas minhas gavetas, tirando muita coisa velha de lá. Até uma criança entende que a gente anda porque sente vontade. E, para mim, vida é a que pode ser entendida por crianças, o resto é complicação. A palavra "simples" deriva de "sin" e "plex", que significam "sem sobras", ao contrário de "con plex". Quantas vezes complexificamos a realidade, colocando sobre ela inúmeras dobras que impedem de enxergar algo tão natural como andar por sentir vontade? A estranheza pejorativa do começo se transformou em vergonha de mim mesma que passou a maravilhamento. Eu me dava conta de que, humana, inevitavelmente tenho o movimento inicial de guardar o mundo em minha cômoda visão - ou visão-cômoda, e que isso não é assim tão grave, pois basta um vento leve para desarrumar tudo, para me lembrar de que a realidade é incrivelmente maior que eu. É como se a vida estivesse sorrindo de canto de boca naquele momento, mandando o amor e dizendo: "Vai, bagunça aqueles humanos que acham que sabem tudo sobre você, que acham que podem aprisioná-lo, mostra qual é a sua beleza".

Depois, quando ouvi as músicas do cd "Toque dela", do Marcelo, eu já estava me derretendo pelos dois, suspirava a cada canção. Letras como "Tá tudo bem, que esse amor só me faz bem; eu não perco mais meu tempo nem me deixo com o vento que derruba", ou "Meu amor é teu, mas dou-te mais uma vez" me deixava próxima do sentimento dos dois. Quando dei por mim, estava advogando com vigor quando alguém, tentando ser um vento que derruba, chamava Marcelo de pedófilo ou Mallu de interesseira. A minha preferida do cd se chama "Vermelho" e um dos momentos mais bonitos do ano foi vê-la ao vivo, em março. A música não estava no setlist, mas o público pediu e Marcelo nos deliciou com ela. Que noite perfeita! O cantor, tomando uma cerveja, sentado com seu violão, fechava os olhinhos e parecia nos levar a outro universo; por um momento, o mundo fora do teatro, com suas buzinas, misérias, dores e complicações, parecia desexistir. Éramos nós e o amor cantado, tocado e embalado por algumas horas. Puro, simples, sem dobras.

"Eu sei que o tempo anda difícil e a vida tropeçando, mas, se a gente vai juntinho, vai bem. Eu não sei se você sabe, mas eu ando aqui tentando, e a gente tem o eterno amor de além." Olha só, moreno; Mallu Magalhães

As músicas do cd "Pitanga", o último da Mallu, parecem estar em sintonia com as do Marcelo. Há pessoas que irão falar que isso é óbvio, já que ele produziu o disco, mas o que eu digo é de outra ordem. As músicas são leves, gostosas, como as do "Toque dela", e as letras narram o amor dos dois também. O "toque dele" é mais profundo do que simplesmente de produtor, e dá para ver (ouvindo) pelos cds dos dois que eles estão conectados, têm seus mundos misturados, aqueles lá, que eu achava difíceis de serem divididos.

Decidi escrever sobre Mallu e Marcelo, justamente, depois de rever vídeos do show que fui dele. A emoção do Camelo ao cantar me dá um sentimento tão bom, de tanta gratidão pela vida por nos permitir amar assim, que eu não consegui guardar só para mim esta historinha trivial de alguém perdendo um preconceito. Caberá somente a eles o eterno ou "não dá", o relacionamento dos dois não nos diz respeito e existe além da maldade de tantos comentários. Mas cabe a nós decidir se somos vento que derruba ou brisa leve que desarruma gavetas engomadinhas de certezas. Entendamos: amor não se engaveta; e mais: todos nós somos mundos diferentes, difíceis de serem divididos, e só ele pode nos juntar. Se, de certa forma, todo ser humano é uma ilha, amor é mar, é ponte, e é aqui que mora a beleza de tudo. Enquanto perdemos demasiado tempo com nossas gavetas e fazendo dobras, há pessoas se amando e mostrando para nós que a vida é bem maior e mais simples... ainda bem.


"Eu bem sei onde tudo vai parar... já não tenho medo do mundo, sou filho da eternidade. Trago nesses pés o vento pra te carregar daqui, mas você sorri desse jeito, e eu, que já perdi a hora e o lugar, aceito." Este é o vídeo da canção-delícia "Vermelho", no show que tive a dádiva de presenciar de pertinho, e que alguém conseguiu captar muito bem. Eu não podia deixar de postá-lo aqui.

Comentários

  1. Marcela que linda sua reflexão!!
    Adorei... lindas palavras...
    inspiração pra minha tarde de quarta-feira!
    ;)

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