São 18h40 no centro da capital. Luzes, buzinas, e o irritante, insuportável anda-e-para da minha condução. Pior ainda para o motorista, eu penso. Aquele cansaço, a vontade de chegar, a esperança de engatar e para. De novo. O homem, muito esperto, criou máquinas que fazem andar, mas agora não chega mais a lugar algum. Vida irônica, eu penso. E paro. De novo. Do meu lado, uma mulher me acotovela sem querer, mexendo na bolsa. Eu odeio a mulher. Eu queria que aquela mulher não existisse. Eu queria que ninguém existisse, que as pessoas de repente sumissem, todas à minha frente, de todos os carros, os que estão a pé também, para que eu pudesse fluir. Meu Deus! Eu não estou fluindo. Minha vida parece a condução em que me encontro: anda-e-para. Aquele cansaço, a vontade de chegar, a esperança de engatar... e para. De novo.
(...)
Nada rima com angústia, penso de repente. An-gús-ti-a. Não pode ser à toa que nada rima com ela. Angústia é dor cega e sem par, à procura de ancoragem na palavra. Palavra-chave que a definiria e que, definindo, a libertaria. Destrancaria a dor que, crua, pulsa sozinha.
(...)
Deito para dormir à tarde. Um suspiro na rotina esmagadora. Acordo de um pesadelo. Neste, habito uma casa grande e completamente branca, que serve para tudo, menos para ser um lar. A sensação foi terrível. Não descanso, mas acho bonito o sonho. Angústia é dor cega e sem lar. Não há conforto na dor irremediável.
(...)
Dentro de uma casa grande e branca, eu grito: Vida irônica, o que é que você quer de mim? Na ausência de móveis, o eco da vida devolve a pergunta. Então eu respondo: eu quero voltar a amar a mulher do ônibus. Eu quero fluir. Me desengarrafa, me dá palavra, me liberta? A vida não responde.
(...)
Eu quero voltar a morar em mim.
Sinto que a vida já me corrompeu, porque justamente abri mão daquilo que mais me admira em você, a esperança.
ResponderExcluirGabriel, sem a esperança, o que sobra?
ResponderExcluirA pior das dores, a que não se sabe quando acabará. A que você chama irremediável.
ResponderExcluirAcho que nessas horas é inevitável a esperança.
Genial
ResponderExcluir