O meu amor, o meu amor, Maria
É como um fio telegráfico da estrada
Aonde vêm pousar as andorinhas…
De vez em quando chega uma
E canta
(Não sei se as andorinhas cantam, mas vá lá!)
Canta e vai-se embora
Outra, nem isso,
Mal chega, vai-se embora.
A última que passou
Limitou-se a fazer cocô
No meu pobre fio de vida!
No entanto, Maria, o meu amor é sempre o mesmo:
As andorinhas é que mudam.
Mario Quintana
De onde estava, olhava para o meu fio telegráfico de vida e, por - finalmente! - não haver nenhuma andorinha pousada, a sensação era de um sossego triste. Sossego, pois dá muito trabalho limpar cocô de andorinha; triste, porque também não posso ouvir nenhum canto assim. A sensação é de estar em uma imensa sala vazia sem decoração ou mobília. Não durmo em suspiro por antecipar uma alegria, nem concentrada em fazer a dor cessar, e parece que precisava de algo assim para saber que meu coração pulsa - mas, nada. Meu travesseiro é só meu travesseiro. No peito, sobrava espaço; nas mãos, sobrava amor desperdiçado. Ultimamente, tudo andava morno demais para uma amante da ebulição.
Eis que, em meio ao já tão conhecido desafio de estar sozinha, aprendi a admirar a água parada sem ferver. O morno tem lá suas bem-feituras. Acho que só assim posso aguardar que a água entre em ebulição sem me desesperar e odiar o tempo da espera: desespero queima. Estar sozinho - repito - é um desafio, e é preciso saber se acomodar dentro dele.
Desde pequena, acostumada a assistir a caras incrivelmente lindos arrancarem a camisa e o sorriso das meninas de comédias românticas, sendo inteligentes, fofos, engraçados e cavalheiros, sonhei com uma espécie de príncipe encantado para mim. Ou melhor, ainda sonho. Não que eu espere que ele vá preencher os pré-requisitos para uma comédia romântica, mas, contrariando regras pré-estabelecidas por nós e obedecendo ao amor, vai ser príncipe por ser, simplesmente, ele. Afinal, não nos apaixonamos por alguém porque tem aquele sorriso meio de lado que nos faz derreter por dentro, ou porque gosta de Legião e tem uma voz bonita. Não nos encantamos por porquê nenhum, mas qualquer um desses porquês serve quando - e isso lá ia ser privilégio de príncipe? - ficamos encantados.
Já me encantei por príncipe que não estava encantado de volta - não me envergonho. Do alto de nosso orgulho, juntando os cacos de nosso ego (que se quebra exatamente no momento em que percebemos que o cupido foi um péssimo funcionário e acertou uma flecha só), temos a tentação de dizer que tudo era apenas imaginação, carência, loucura, ou o que quer que seja, para justificar o fato (logo eu, tão madura, sensata, ia cometer uma bobice dessas?) de que estávamos gostando de alguém que não gostava de volta, ou que até gostava, mas por algum motivo a relação não deu certo. Até negamos que chegamos a gostar. Pois bem, ainda que tenha sido imaginação-carência-loucura, eu sei que já existiu sentimento bonito em mim escoando pelo ralo, desperdiçado em minhas mãos. (E eu lá ia negar a capacidade incrível que meu coração tem de se alargar e taquicardear ao mínimo sinal vital de outra pessoa?) Mas como eu tenho a simples exigência inafiançável de ser amada de volta, em algum momento o efeito da flechada passou e, sem negar o fato de que estava sim, encantada - e, porque não, embobecida - eu fiquei aqui, me exibindo para o cupido, torcendo para ele acertar dessa vez.
É que quando a gente gosta, sendo o amor recíproco ou não, a gente vê o quanto essa nossa capacidade é bonita e faz bem - até quando a situação fica feia e faz mal em algum momento. Mesmo que a gente se sinta tolo por caprichar mais no perfume quando vamos encontrar a pessoa e ela nem aparece, ainda que nos irrite amadurecer e ter atitudes que lembram as de criança, e que seja difícil admitir a vulnerabilidade de nosso ego, a gente quer ter esse olhar maravilhado para outra pessoa e, na mesma medida, ser olhado assim também.
E, enquanto o cupido está de férias, ou até contratarem um mais certeiro, ficamos sozinhos. Ora tranquilos, gostando do espaço; ora desesperados com tanta crueza, nos administramos nessa enorme sala vazia sem decoração ou mobília. Sobrevivemos aos comentários das tias ou colegas-super-bem-resolvidas no estilo "Nossa, mas até hoje não ARRANJOU um namorado?", pensando "Arranjar, arranjar... gente é coisa que se arranja?"; respondendo: "Pois é, está difícil..."; passamos a reparar no número de casais que triplicou na rua; atravessamos o período fértil querendo aqueles últimos beijos tórridos, passamos pela TPM chorando por lembrar que não há mais beijos tórridos; encaramos o convite da amiga para aquela festa-onde-vai-o-pessoal-da-engenharia, olhamos de todos os ângulos para aquele cara mais bonitinho para certificarmo-nos de que não é gay, até que sua namorada apareça e mostre que ele não é; conversamos com aquele menino que parece ser legal ("Será que ele gosta de Legião?") ora com intenções genuínas de estar abertos, ora estando abertos, ora com muita preguiça do processo inteiro; beijamos o menino (que nem gostava de Legião, mas era até legal mesmo), damos a mão para esse cara que acabamos de conhecer, vazios, tendo a plena consciência de que, se a carência física pode ser suprida junto com a afetiva, a recíproca não é verdadeira, e que dar a mão só faz sentido quando ela representa a pessoa como um todo, e a gente só conheceu partes. Soltamos a mão, voltamos para casa e é no travesseiro que é só travesseiro que pensamos nessas coisas todas, principalmente se é dia frio e o cobertor não está esquentando lá dentro.
Esperar dá trabalho, e, por vezes, tentamos ajudar a realidade a nos ajudar, afoitos. Eu, que já estive nessa situação e me queimei tentando auxiliar a água, hoje me espreguiço dentro do cômodo vazio, sem desistir, mas também sem pressa. Gosto de mim, dos meus processos, da minha necessidade visceral de amar, e não vou diminuir minha exigência só porque até hoje não deu certo. Pode ser que amanhã a TPM venha com força e eu escreva um texto sobre o quanto sou infeliz sem beijos tórridos, mas hoje, orgulhosamente, eu sou a menina na versão tranquila da coisa, que sonha em ser encantada por um príncipe devidamente encantado de volta, ou - trocando para a metáfora quintaneana - que espera por uma andorinha que venha para não mais sair, enquanto coloca, com sossego mais sossegado que triste, Renato Russo para cantar "Quem acredita sempre alcança..." - sozinha, sim, mas muito bem acompanhada por mim.
Marcilow Marcilow! SENSA
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