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Vírgula

Ando vivendo uma vida que, de tão minha, acaba não sendo. Ando? Sinto-me parada. Estática. Como quem envelheceu anos demais para corpo de menos e se petrificou. Marcadores de página eternos tomam conta dos livros, as músicas são as mesmas e voltam para o mesmo lugar. Estou sentindo o gosto da vida como quem a está mascando por anos. Tenho falhado na profissão que elegi para esses novos tempos, a que eu chamo de “jardineira de mim”... cuidando de pensamentos e sentimentos que ousam brotar aqui, crescer ali para longe. Difícil mesmo é quando me descuido demais e não os corto pela raiz: tenho de apará-los depois de grandes. Enormes. Muito maiores do que qualquer esforço que eu faça. Desisti de fazer esforço. Quando há aqueles que juram serem flores, é de dar dó ter que ensinar-lhes que eles são apenas erva daninha. Ando deixando-os ser o que quiserem. E estou cheia de ervas-daninha. Acho que não sei me cuidar. Imagino-me como sendo uma daquelas estátuas esquecidas em uma praça também esquecida, onde algumas plantas, por convite do acaso, se esbarram por lá e ali ficam; esperando que alguém a encontre, cuide dela e lhe devolva a beleza de talvez poder ser arte. Estátua que vê demais, mas não se mexe, se resigna a tudo que vê. Tudo isso parece meio triste demais, mas não é. Pelo menos, não demais. A completa falta de movimento agora é a forma inevitável de me mover. Preciso parar para seguir em frente. Preciso de todas as espécies de pensamentos-sentimentos-emoções-flores-ervas-seja-lá-o-que-forem, que crescem desgovernados e me tomam por inteira, sem tirar o que pode ser feio por correr o risco de cortar o bonito também. Pode ser que, ao passar pela praça, alguém olhe a estátua e só veja um monte de mato. O que há de se fazer? O meu agora é um não-fazer.

Vai que um dia viro jardim.

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Nada rima com angústia

São 18h40 no centro da capital. Luzes, buzinas, e o irritante, insuportável anda-e-para da minha condução. Pior ainda para o motorista, eu penso. Aquele cansaço, a vontade de chegar, a esperança de engatar e para. De novo. O homem, muito esperto, criou máquinas que fazem andar, mas agora não chega mais a lugar algum. Vida irônica, eu penso. E paro. De novo. Do meu lado, uma mulher me acotovela sem querer, mexendo na bolsa. Eu odeio a mulher. Eu queria que aquela mulher não existisse. Eu queria que ninguém existisse, que as pessoas de repente sumissem, todas à minha frente, de todos os carros, os que estão a pé também, para que eu pudesse fluir. Meu Deus! Eu não estou fluindo. Minha vida parece a condução em que me encontro: anda-e-para. Aquele cansaço, a vontade de chegar, a esperança de engatar... e para. De novo. (...) Nada rima com angústia, penso de repente. An-gús-ti-a. Não pode ser à toa que nada rima com ela. Angústia é dor cega e sem par, à procura de ancoragem na palavra.

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