antes de ir embora o sentimento se demora e fica curtido no corpo, fermentando os sentidos. a retina o projeta nas esquinas do mundo. carros como o seu são os mais salientes das ruas, cheiros da vida acordam obscenidades, a imaginação percorre o que antes andei com a carne e o coração.
pensamento garimpando lembranças no meio do trânsito, ou tirando o lixo, ou fechando a janela do quarto por onde você gostava de olhar - vai chover e não é pouco.
eu quis muito. e o querer abrasa o corpo e o consome, o dia-após-dia do depois é para sua reconstituição. para onde será que você está olhando agora? alguém me chama e fura a bolha do pensamento, respondo o mais educada que posso mas queria responder era nada. não, não é que eu tenha te querido tanto assim o tempo todo, o sentimento não se espalhou de um jeito uniforme - é que eu queria também o que a ideia te ajudava a ser, aquele que colocaria em riste meus anseios, nossos pequenos futuros pareados que foram raleando, raleando antes.
mas você veio, isso não posso negar, está documentado nas esquinas. as mãos chegaram antes do resto do corpo, melhor forma de se entrelaçar, me deu uma espécie de conforto. coisa de moda antiga no meio de um carnaval, menos por romantismo e mais para não sumir no meio dos outros, tantos outros, muito menos familiares que você. e você também ainda era estranho, nunca deixaria de ser por completo, eu sei, mas as mãos eram agradáveis, qualquer coisa de invasiva era amortecida por aqueles dedos juntos.
sempre entre o estrangeiro e o corpo em pátria, táteis, nos percorremos. era sôfrego quando você emudecia, sem nenhuma gradação, o cenho todo fechado como o céu agora, eu com medo do susto de um qualquer trovão. preferia quando falava aos borbotões, alguma coisa bem diferente do meu costume, eu pensava em como era inteligente e peculiar, peculiar e inteligente, se você dissesse que iria construir um prédio inteiro naquele dia eu não duvidava, já eu se fosse construir um prédio era todo na ideia evanescente de um prédio.
olha, se eu pudesse resumir, eu diria que gostei de nós. eu vivia mais do que compreendia o que vivia, a experiência sempre estourando as medidas do entendimento. habitei o meu corpo feito uma estreia, como se antes já tivesse um corpo mas ansiando por um sopro que o avivasse, feito história infantil, feito a coisa mais adulta que há. estou viva, e sob minha pele cheia de você, quase feliz, porque de alguma forma me inaugurei. gostava do que via no seu corpo, centímetros e centímetros de pele e um clarão no sorriso. gostava até de quando chorava e trazia sua humanidade para os olhos. acho que eu quase te entendia.
te ver indo me deu dor, dor de quina, vou ficar rabugenta por uns dias. dá febre desenlaçar os dedos e os planos, vive-se na suspensão do sonho, a vida crua, faz chuva mesmo quando não faz. escrevo como forma de borrar o fim, de transformar a aspereza da queda em qualquer coisa que voa, até no mau tempo. alguém me chama de novo, eu juro que já vou.
fechou a janela? vê só como está escuro...
fechei. vem cá, desculpa a pergunta repentina, mas será que você sabe por quanto tempo uma digital fica naquilo que ela toca?
(...)
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